quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um bom ano xuxus!


Acaba o ano. Porque o humano, ou o Universo, ou Deus, assim o estipulou. Porque na realidade nada acaba, nada começa, tudo continua. Continua o sono todas as manhãs, a vontade de vomitar cada vez que se vê a teresa guilherme e os jogos de futebol que nos tiram o apetite. Ah, e não pensem que a celulite morre com a entrada do novo ano! Todas as coisas más irão continuar lá, a não ser que se armem em assassinos.
A Merkel transformar-se-á num novo Hitler, ou revelar-se-á ainda mais, porque o monstro sempre lá esteve. Sim, menos no meio das pernas adolf, não quero pôr aqui em causa a tua masculinidade, já que nem o bigode, nem os teus gases provam nada. Aconselho assim os ciganos (raio das romenas), a mudarem-se para a Alemanha para que a história se cumpra.

Quanto aos chineses não é necessária qualquer preocupação, a vontade de cometerem suicídio está à vista. Começaram a construir foguetões, e, sinceramente, qual é o parvo que vai para o espaço com um foguetão made in china?! Talvez o Passos Coelho vá dar uma voltinha.

A gravidade não será suficiente para colar os humanos ao chão, porque os bolsos estão vazios e vamos subir, subir, até aos pedintes da rua, porcos e chatos. Os outros tipos de chatos só chegam para a queima das fitas!
E parece que nascemos ontem, mas a verdade é que morremos amanhã. Ou para o ano. Ou mesmo outrora, e nem nos apercebemos. E o fantasma continua a acordar, a trabalhar, a urinar, a deitar… E o sonhar? Será o dormir do fantasma ou o acordar da manhã? 

O que quero agradecer aqui é essa passagem de fantasma para o dia luminoso. Seja verdade ou apenas uma realidade alternativa, estão aqui. E o sono transforma-se num sorriso preguiçoso e as lágrimas em lenços de papel. Prefiro cetim.

O que nos une é a loucura, não tenho dúvida! É esta falha mental que só os loucos entendem… Somos uns anormais. Mas se algum dia ficarmos reconhecidos na história, certamente será pela labreguice intelectual (para nós), isto é, pela inteligência (para os outros).

Obrigada por tudo labreguinhos!!! 





quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O que eu penso reflecte-se no espelho do olhar. E penso que é único, meu. Coloco-me no pedestal universal e rio-me da ignorância alheia. O meu coração bate com mais força, o meu nariz ouve a sabedoria eterna e as minhas mãos saboreiam a beleza da perfeição. Procuro alguém que partilhe comigo tal primazia… mas sei que não existe. 


O coração, faminto, cumprimenta o encéfalo e juntos espalham a dor no sangue que corre nas veias, tóxico. E quando tal sucede, mais uma vez, deito-me no pedestal superior, repouso na solidão e na dor. E o meu sofrimento é maior que o teu. E o pedaço de vidro que rasga os miócitos vai mais longe, penetra a alma.
Sei de coisas que tu não sabes. Passei por corridas negras… Negro de escuridão! Como desejei que me invadisses eternamente, no mínimo das eternidades. Vem vento luminoso, abana a minha pele e traz até mim alguém que me fale com os olhos e, mais importante do que isso, que me compreenda…


É assim que pensamos. É assim que sentimos as vibrações do egoísmo não do ser, mas do humano. Porque o senti também. E a minha dor era singular, arrepiante, atraente… Só eu a sentia. E, de repente, percebi que o pesar não me pertence. Deixei-o fugir. Reparti-o pelo mundo e o mundo apagou-me. O singular tornou-se plural e a minha existência comum. Na palavra que mais detesto, comum…


Ser humano é pensar mais alto, na sua alteza e aprender com a vida a subir descendo e a olhar sonhando. Porque os outros sentem e sofrem, só não o demonstram. Nem a tristeza aprendemos a partilhar…

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa 11º Jornada

Recordar o professor mais assustador que já teve. Depois imaginar como seria um reencontro com ele.

Olho para o mundo, para ti. Desconheço a imperfeição do teu ser, as tuas vontades. Como poderia ver a tua alma, se até a nossa própria escondemos das mentes do mundo? Eles, os outros, sim, vocês, olham para mim e vêm-me. Ao menos conseguem ver-me! A minha cegueira tornou-se total e o que presencio é o que o mundo quer ver, mas não me vê a mim.
O meu espírito negro confunde-se na escuridão do ar, e espero, tranquila. Ou será que a confusão provém da sujidade da minha pele e não do meu ser?!
Rio-me da parvoíce a que os meus pensamentos me levam… Dou gargalhadas pelo facto de achar que uma folha em branco e tinta azul me podem ouvir. Mas quer ouçam ou não, eu desabafo na mesma. Cada traço destas linhas conhece-me melhor que eu própria.
Vítima. De violência doméstica ou de mim mesma? Do fado ou será o logrado castigo por não ter coragem? Aquele homem, conhecido há dois anos, desconhecido há onze, desenhara um mapa na minha cabeça, onde ultrapassar os limites geográficos da ficção é irrealizável.
As primeiras horas na sua companhia foram, a bom dizer, uma seca. Noventa minutos de tortura mental, vulgarmente conhecida como “aula”. Ele ensinava, eu conversava com os meus amigos, e punha-o à prova.
A vida dá voltas, nós ficamos enjoados, e calculo que ela graceja ao som dos nossos vómitos! Como raio é que só me soube impor quando corria com um caderno nas mãos, na pureza da adolescência? E agora, adulta, vacinada, livre… prendo-me no silêncio.
Lembro-me bem da noite em que saí daquela festa. De olhar para as luzes que assinalam o número de cada andar e esperar pelo elevador. As escadas, após o convívio, podem ser as nossas piores inimigas. Finalmente entro, desinibida e feliz. Com o vestido preto curto todo desordenado. E ele estava lá, o professor mais temível do liceu, nove anos depois.
Esbocei um sorriso de gozo, enquanto descalçava os sapatos. Doíam-me. O sorriso deu lugar a altas gargalhadas e segurei-lhe a gravata: «Tão sério professor? Nem tempo tem para aparar a barba?!”. Passei a mão no seu queixo, grisalho. O Sr. Professor encostou a sua cara à minha, ruborizado. Odiava falta de respeito! Todavia, o meu interesse focava-se no seu charme, que reparava pela primeira vez.
O resto foram línguas. Línguas juntas, línguas molhadas. Hoje em dia, língua presa.

                                                          

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa 10º Jornada

Escreva sobre a opção mais fácil que teve de tomar até hoje.

Cheira a terra molhada, mas não choveu. O relvado, vivo, dá o seu ar de graça e ergue-se, majestoso. Esta relva possui algo que a maioria dos humanos daria a própria vida para obter: a fama. É vista em todo o planeta, e cada exemplar levanta a cabeça, imponente, consciente da sua responsabilidade.
Uma criança senta-se numa cadeira de plástico, ansiosa. Abre ao máximo os seus olhos castanho-esverdeados, tudo é novo. O brilho que eles emanam é superior ao solar, transmite energia inesgotável, de um sentimento que começa a crescer.
Exalta-se o encarnado, sumptuoso, vivo, atraente. As pessoas cochicham num nervoso miudinho. Outras bradam a plenos pulmões: é o seu orgulho, vaidoso.
Sente, criancinha, sente. A tua vida deixar-te-á nauseada com tamanhas voltas: amigos sem o serem, inimigos hipócritas, guerras perdidas, batalhas ganhas, ódios discípulos do amor, trabalho árduo desdenhado, preguiça engrandecida. Vais sentir o chão a rodar, a vida a cair, a cegueira mundial. Vais ter medo do afecto adulterado, da mentira, do desgosto. Mas não deste carinho, pequenita.
Milhares de pessoas gritam em uníssono e desconfias que a melodia é audível na tua longínqua terra natal. Há guardas agitados, atentos, cobrindo com o mirar esse mar de gente. Um pássaro sobrevoa toda aquela catedral. Tudo é gracioso, grandioso, glorioso. E tu sentes-te… em casa.
É a tua família que se levanta em uníssono, numa barulheira infernal. Assustada, segues o percurso do seu olhar, perscrutas esse acontecimento magistral. Há homens a pisar a relva, que se verga em vénias de respeito.
E tu explodes e compreendes algo que só muito mais tarde vais alcançar novamente: a verdadeira paixão! Berra, criancinha, berra. Mostra ao Universo a tua vontade. Dá pulos, porque assim não consegues ver nada. Isso, põe-te em cima da cadeira. Lá estão eles, a correr. Não correm pela liberdade, nem contra o tempo, mas atrás de uma bola.
Há decisões que se alimentam da própria indecisão. Já outras são capazes de deixar a marca eterna no molde da nossa vida. Já a decisão desta menina foi tão fácil, que nem se lembra de a ter tomado.
Hoje sabe que já caíram lágrimas. De tristeza e de alegria. Sabe que trouxe desgostos e revolta. Mas dêem as cambalhotas que a vida der, será eternamente: benfiquista!
Porque nenhum momento se iguala àquele em que os meus olhos, de criança como os daquele dia, compõem a palavra golo.

domingo, 18 de setembro de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 9ª jornada

O que cozinharia para o seu inimigo?

Órfão. Por causa dele fiquei dolorosamente, órfão. Os teus olhos, pai, eram um espelho onde escorregavam imagens da minha infância. A segunda-feira em que me levaste pela primeira vez à escola, a sexta-feira em que me ensinaste a conduzir, o sábado em que me viste sair no meu novo carro, rumo ao baile de finalistas, acompanhado por uma rapariga.
«Não batas, coração, por favor!». Ele era o meu chefe, a única sensação que este inútil órgão devia sentir era respeito. Mas era paixão, e eu sabia-o. A minha vida rastejou até aos pés, quando a sua mão tocou na minha…
E agora o relógio não pára! A minha existência está em contagem decrescente. Por culpa daquele homem, a quem se entregou, a mim, outro homem. E agora?! Agora a minha irrealidade desfaz-se, o nevoeiro trespassa-me a alma, esta desmorona-se ansiosa por perecer.
Não tenho ninguém, porque o tinha a ele. Não o beijei num jardim, porque vos tinha a vocês, mundo. Não me amei a mim próprio, porque te amo a ti, pai. E só por ti te escrevo esta carta, enquanto cozinho esta carne, tóxica.
Nunca te deixaria assistir ao último espectáculo a que ele me obrigou a entrar. Na derradeira cena em que a traição exalta o público. Mas esta peça traz ao palco também a morte: sida.
Sida pecaminosa, sida pérfida! Não te preocupes pai, não vais carregar esse fardo.
Ele está aqui, à minha frente, mas já não é homem. A sua masculinidade ferve agora, numa panela. As borbulhas provocadas pela ebulição da água humanizada libertam e purificam este pedaço de matéria virulenta. E, de repente, o mundo é justo.
Já não ouço gritos, pai. A sua dor carnal foi espezinhada pelo sofrimento espiritual: cheira-lhe a morte. E vai morrer, sim. Contudo, antes terá de comê-lo. Irá provar do seu próprio pecado. Mastigará o seu próprio veneno. Esmagará a sua culpa, digerida nas suas entranhas!
Tenho de ir. A refeição está quase pronta, apenas falta uma pitada de sal. Há sangue na carpete, tenho medo que ele morra antes de comer. Quando receber esta carta, não venha sozinho. Deixe a polícia entrar. O corpo dele estará na sala, sentado. O meu, preso ao candeeiro do quarto, a olhar para a janela, para o mundo. A voar, finalmente, livre.
Não veja esse retrato. Recorde-me como a criança que chorou por deixar cair o gelado no seu colo.

domingo, 11 de setembro de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 8ª jornada

Como seria o sítio ideal para viver?

As memórias estavam lá, a dormitar. Tinham sido rejeitadas, a dona não permitia que o seu passado emergisse. Porém, há momentos em que o silêncio se torna ensurdecedor, levando-a ao encontro daquilo a que foge a cada singular minuto: recordar.
Abriu a janela. Olhou para os peões, a atravessar a rua. Minuciou uma mulher, comum. Comum, porque nascera ali. Reparou que o encarnado do batom era visível àquela distância. Imaginou o seu rosto: maquilhado, belo, livre.
Passou a mão pelo braço, numa tentativa de se reconfortar a si própria. Sentiu-as! Estremeceu. Era apenas a sua pele, irregular… A profundidade de cada corte era infinita na sua dor. Retirar-se-ia algum dia?!
Desabaram chuviscos no interior dos seus olhos. Empurrou as recordações com toda a sua força. Mas estas irão respirar até ao seu próprio último suspiro.
«Mãe, quero um pénis!», dissera numa manhã confusa, quando se apercebera que o seu irmão tinha vindo ao mundo com mais direitos. Observava durante horas a sua vagina, limpa e pura. Um órgão muito mais agradável para a nossa visão do que aquele de que os meninos se serviam. Observava aquela culpada: a sua vagina! A resposta à sua inquietação, aquela bofetada seca, fora a primeira da sua vida.
Que humanidade possuem estes humanos que racionam a liberdade através dos seus órgãos sexuais? A ira corroía mortalmente a sua alma a cada nova ferida que se rasgava na sua carne. Chagas desenhadas por aquele que deveria ser a fonte de carinho e compreensão. Por aquele que tinha o dever de lhe limpar carinhosamente as lágrimas e não despontá-las. Por aquele que deveria ter sido, em primeiro e lógico lugar, seu escolhido.
A mulher elegante chegara agora ao outro lado da passadeira. Tal como um dia ela chegara a um aeroporto, num outro planeta. As suas habitantes corriam apressadas para o seu emprego, para ir buscar os filhos à escola, para encontrar um lugar no estacionamento. Extraordinariamente, apressavam-se a entrar em tribunais, livres e justos. Ali, sozinha, sentiu-se pela primeira vez acompanhada… pela independência!
Podia gritar! Podia clamar os seis direitos ao mundo. Podia até escrever a sua história… Perdeu de vista a mulher em que reparava. Entrara num supermercado. Sozinha. Um acto tão simples como irrealizável na sua outra vida. Até aterrar aqui.
Saiu do parapeito. As esfregonas e vassouras sorriram-lhe, emprestando-lhe os seus corpos. Abraçou-as: como este novo (nosso) mundo é ideal para viver.

sábado, 3 de setembro de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 7ª jornada

Escolher dez palavras do dicionário. Anotá-las. Depois escrever novas definições para ela.

Álcool – Substância medicamentosa com fins terapêuticos; essência fantasiosa que faz com que dois humanos, do mesmo género ou de sexo distinto, unam os lábios no interior de um compartimento usualmente quente, epilepticamente iluminado, habitualmente designado de discoteca.
Alquimia – Experiências sentimentais mágicas produzidas pelos príncipes encantados que alteram as ondas cerebrais das suas princesas.
Esperança – Sustento que alimenta a irrealidade, tornando-a próxima e palpável; aquecedor que reinicia a actividade eléctrica cardíaca; acto ou efeito de fazer com que outro sujeito esboce um sorriso com os seus lábios.
Família – Grupo de indivíduos que partilham a mesma descendência ou o mesmo tipo de sangue; conjunto de seres adquiridos logo à nascença, imunes a qualquer tipo de escolha; indivíduos que estão sempre presentes quando eles precisam; pessoas que ironizam a tua vida e qualquer tipo de ajuda traz segundas intenções; criaturas, semelhantes a insectos, que te sugam o sangue e a paciência. Excepções encontradas neste tipo de fulanos possuem uma outra interpretação: amigos.
Liberdade – Estado da consciência humana real, na maioria das vezes meramente falacioso. Esta condição está sujeita a inúmeros factores sobre os quais não temos controlo. O estado pleno de liberdade é unicamente verdadeiro na nossa mente. A liberdade dos pensamentos jamais será assassinada.
Lógico – Situações em que é efectivamente possível roubar o Estado Soberano do seu país e tirar proveito da situação; vontade de ter um carro com um valor económico superior ao sujeito que vive na casa ao lado ou num apartamento do mesmo prédio; obsequiar os eleitores com um fragmento de carne de porco, previamente salgada e curada, para que obtenham um maior discernimento acerca dos programas eleitorais do seu partido político.
Medo – Vontade de abraçar alguém sentimentalmente próximo; sorrir ao se aperceber que ambos os braços envolvem esse indivíduo.
Mesa – Objecto utilizado pelos Humanos criativamente fortalecidos, necessário quando um indivíduo empurra grosseiramente outro da sua espécie para cima da mesa, explorando os seus potenciais na actividade sexual, sendo a imaginação o limite.
Opressão – Acto ou efeito que leva a voar; ímpeto para o nascer do Sol; sorriso de uma criança.
Sossego – Capacidade de imunidade perante a crise global; acto que leva a que uma individualidade continue com uma respiração regular após ter ligado o seu televisor e através do sentido da audição acompanhar a actividade económica actual.

domingo, 28 de agosto de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 6ª jornada

Liste dez coisas que faria se estivesse impedido de estar ou falar com alguém durante duas semanas. Depois escolha uma e explore-a.

1 – Deitar-me e conversar com o Sol. Contar-lhe os meus segredos, na esperança que os seus conselhos vindos do ensurdecedor silêncio me façam ver a realidade universal.
2 – Esfregar um corneto nos meus lábios e lambe-los até onde o músculo da língua me permitir…
3 – Afogar-me nas letras perdidas em tantos livros que disfarçam o pó das estantes. Ingeri-las até os olhos se queixarem da exaustão.
4 – Dormir. Adormecer o espírito. Sonhar com o possível.
5 – Abrir os olhos e assistir ao irrealizável: a paz.
6 – Rir. Asfixiar-me em sonoras gargalhadas: livres, sinceras, solitárias.
7 – Amar-me a mim mesma. Meditar o meu ser, idolatrar as rugas, cobiçar as curvas, trincar os lábios.
8 – Mergulhar na saudade do teu toque, do teu abraço.
9 – Sentar-me no chão, desamparada, e imaginar que estás aqui: de mãos dadas.
10 – Respirar com a imaginação o momento em que espreitas do esconderijo e o meu rosto se reflecte no teu mirar.
Expiro. Desfolho cada página revestida de ouro, de palavras. Estranho como um simples símbolo, cuidadosamente aperfeiçoado pela Humanidade e pelo tempo, se irrompe pelo nosso palpitar.
Inspiro. Sugo o aroma húmido das folhas, vivas. Como são generosas! Segredam-nos os seus contos. Uma e outra vez, sem se queixarem. Tantas vezes quantas os importunos assim o desejarem.
Suspiro… Navego pelas entranhas dos limites da criação. Linhas imaginárias, reais quando comparadas com a nossa vida surreal. E finalmente: vivo! Salto no meu mundo, corro na verdade
Choro. Ouço a desilusão. As páginas vestem-se também de tristeza, neste cosmos verídico. As lágrimas deslizam pelo
alfabeto, manchando de preto os caminhos obscuros desta história. Não faz mal Diana, não importa. Brevemente irás fechá-lo, esse livro. E o irreal voltará a preencher o teu dia.
Paro. O meu coração está suspenso. Chegou a hora da verdade. Os amigos tornam-se os malfeitores: merecem ser castigados. A única semelhança entre estes meus dois mundos. Algo breve, pois os traiçoeiros irão sobreviver por caminhos de brasas e pregos.

Sorrio. Tudo à minha volta torna a sê-lo: perfeito. Ou então o herói cai, de cansaço. Ou o amor vinga e as estrelas cadentes escorregam. Em último caso, pode ser sempre a nossa mente a desenhar o derradeiro desfecho de tamanha caminhada.
Tristeza! Que pesaroso que é fechá-lo, o livro. Agora sim: os humanos praticam actos irracionais. A melancolia invade-me. Que vontade de pegar numa caneta e escrever por cima do meu ser, imaginário!

domingo, 14 de agosto de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 4ª jornada

Escreva sobre um coração que era impossível fazer parar.

Escutava vozes ao longe. Alguém tagarelava. O seu coração, contudo, centrava-se naquele objecto. Era especial. Nele tinha lido o paraíso: “amo-te”.
O seu coração não parava! Tinha aprendido a bater desde aquele dia – solarengo, ilusório, enlouquecedor! Uma chama emergiu e aqueceu-o, derretendo todo o gelo encarnado que nele subsistia. A escuridão, propositadamente colocada no seu espírito, desvanecia-se com o passar da mão dela no seu rosto… Que seria? Carinho?! Desconhecia tal arrepiar.
O seu olhar pousou no telemóvel. Nenhuma mensagem doce. Ai, doce! Aqueles lábios encarnados nos seus, melosos… Ansiava por uma mensagem, para saber que estava viva, que é como quem diz, a pensar nele.
A notícia chegou através de um amigo. O suor começou-lhe a escorrer, os pulmões colapsaram. “Preciso que respires!”, clamava o seu corpo, em puro tormento. Todavia, só se sente a dor mais forte: a da traição! Não havia tempo para respirar, queria correr, desalmadamente, até a encontrar, a ela – com ele!
As pernas não o ouviam. Implorou-lhes para que se movessem. Nada. Estaria morto?! Teria desistido do suplício? De todo o seu ser, só sentia o coração. De bater tão depressa, nem se apercebia do seu ritmo. Estava dilacerado: iria parar? Tinha nascido quando lhe sorrira, quando a envolveu delicadamente com o seu braço… Tinha lógica que voltasse à letargia.
Antes morrer que padecer de tal tortura. Era ela: perfeita! Como o compreendia. A única que deixara entrar no seu íntimo: tão frio, tão inexplorado. E tinha permitido…
Estava alagado: em suor, em lágrimas, em sangue. Se existem lágrimas de sangue, eram as suas. E o seu corpo, mártir e preguiçoso, desistia. Traidor(a)!
Uma golfada de ar ressuscitou os pulmões. Respirava sofregamente, o ar entrava e saía, saía e entrava. Lutava pelo corpo entorpecido. De repente, ficou cego. Era um negrume familiar, estava no seu quarto.
O coração adormecia. Estava exausto com tamanho aperto: era um sossego mais que merecido.
Lá estava ela, ao seu lado. Sentia a sua respiração regular. Ouvia a melodia do seu perfume, suave. Apertou-a! Sentiu(-a) no seu peito. Que nome teria aquele sentimento? Amor não era suficiente.
– Acordado?
Ela sorriu, enternecida com o olhar daquele que apenas habitava outro corpo, porque a alma era a mesma. E nessa alma batia um só coração, impossível fazer parar de bater.
– Dorme, querida. – acariciou os seus caracóis cor de mel – Foi apenas um pesadelo. O sonho, esse, continua aqui: real.

domingo, 7 de agosto de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 3ª jornada

Escreva uma história que anule completamente o velho provérbio: “quem te avisa, teu amigo é”.

Era ódio que sentia, que se alojou no coração de apenas um miúdo. Ia ali todos os dias, e observava-os. Eram os futuros Doutores. Aqueles que adquiriram a sua opulenta vida à custa de muito suor, sangue e choro - qualidades indispensáveis para saírem do rico ventre da sua mãe! Abastada também, por mera casualidade.

Sobressaltou-se. Uma mão pousara-lhe cordialmente no ombro. O seu futuro “irmão”. Aquele que abraçou o seu baço olhar.
Trinta anos depois deitava o cigarro para o chão com brutalidade. Esmagou-o com o pé, continuando a caminhada pela rua deserta. Estava duas horas atrasado! Sorriu. Um sorriso amarelo, para não contrastar com os dentes. Era o merecido desfecho.
Uma mistura de emoções despontou naquele ser. Que medo do futuro! Após décadas ao serviço da comunidade, iria reformar-se.
A sua função: satisfazer os seus clientes! O seu dever: servir de ponte entre os religiosos compradores e o seu “irmão”. Não, não tinha quem o explorasse! Tinha um “irmão” de amor.
Última tarefa! “Este deve ser o teu último serviço. Uma simples hesitação e a hora certa é passado.”. Rafael escutou-o. Tinha razão, como sempre. Uma ilha paradisíaca esperava-o até à sua longínqua morte. Visualizava na sua mente o derradeiro castigo: sol, areia, fragmentos do mar gotejando vagarosamente pelos corpos das formosas sereias.
Antes, fez o que o seu “irmão” lhe aconselhou: saboreava o seu último triunfo.
Parou. Percorreu com o olhar a porta que vigiava o seu destino. Tirou do bolso uma chave e abriu-a. Ligou o interruptor. Ninguém.
Teria o atraso arruinado a sua última vitória? Pousou delicadamente a mochila com a droga numa secretária. Um bafo de pó, inocente, incomodou as suas narinas. Clicou inquieto o número do seu “irmão”. Tocou. Outra vez. Franziu a sobrancelha… Porque raio estaria a ouvir o vibrar de um telemóvel?!
Virou-se… O rosto era conhecido. Cada ruga, cada traço… Era genuinamente excruciante. Sentiu-o: o cano frio apertava a sua têmpora.
Quis gritar, fugir…chorar! Não conseguiu, tinha desaparecido tudo, até a alma. O seu olhar siderado chocou com o do seu “irmão”.
- “Eu disse-te que devias acabar aqui o teu trabalho.” – murmurou, numa voz glacial.
O puxar do gatilho. O som do crânio a quebrar. Rafael nada sentiu – o seu corpo havia já sido fuzilado pela traição. O coração tinha já perecido quando o viu: o assassino! A sua única verdade. A sua única mão. O seu único herdeiro.

domingo, 31 de julho de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 2ª jornada

Um erro informático faz com que cerca de 400 pessoas ficam presas num pequeno departamento de uma empresa. Só há uma pequena máquina de snack e bebida.

Ser único é ser o melhor, o pior ou simplesmente diferente. Ou então é ser contemplado com algo, estupidez ou raciocínio, talento ou um objecto. Ser único nem sempre é bom.
Que o diga a velha máquina de snack e bebida que descansava ao fundo do corredor de um departamento, quando quatrocentos pares de olhos se lhe dirigiram em uníssono. Sim, era a única.
As portas de aço eléctricas continuavam dramaticamente encerradas. Os elevadores tinham há muito desistido da luta inglória que durava há mais de dezoito horas. Afinal, sem a vital energia eléctrica, de que valia a sua existência?
A culpa, esse sentimento que todos procuram manter num sítio distante e inatingível, estava personificada num vírus. Um vírus virtual, duvido que uma vacina resulte. Já o sentimento, inicialmente de surpresa e adrenalina, deu lugar ao pânico quando funcionários e centenas de crianças se aperceberam que não era um jogo. Sendo esta uma das melhores empresas de bolachas a nível nacional, era comum receberem visitas de estudo. Mostravam não só a confecção dos biscoitos, como o local onde tudo é decidido. Agora estavam todos impedidos de sair dali.
Os seus rostos porém, inicialmente gulosos, ficaram lentamente em choque. Posteriormente veio a fome. “Primeiro as crianças” – São as regras de sobrevivência de um ser justo e sensível como o humano. E tem toda a razão, Senhora Professora. Pena é que os seus pequenos olhos cor de azeitona se perdessem no mar de cabeças inquietas. Mas quais?!
A sua força de onze anos, juntamente com o sentimento inato de egoísmo, levou a um banho de sangue. A pobre máquina gemeu, sentindo os seus vidros estilhaçarem-se em segundos. Seguiram-se estes, gritando de dor por penetrarem na carne inofensiva, sentindo o calor do sangue. As crianças, essas, ainda tentavam perceber qual a origem de todo aquele líquido encarnado.
Os refrigerantes foram ingeridos sofregamente. Os snacks devorados na sua maioria por um funcionário barrigudo, que coçava agora o bigode. Tinha toda a razão, estava habituado a mais alimento que aqueles pequenos indivíduos.
As necessidades, não as habituais materiais entenda-se, encontravam-se a um canto. O cheiro do desespero era misturado com o odor animalesco. O som seco de pancadas nas portas foi substituído pela música dos telemóveis. Pais em pânico, tentando acalmar os filhos.
Um clic... Um Segurança. Um grupo de criaturas agora livres, que de humano nada tinham. Porque antes de sermos pessoas, somos animais.

sábado, 23 de julho de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 1ª jornada

Desafio da semana:

Pense num produto sem o qual não poderia viver. Agora imagine que a marca anunciou que o vai tirar, em breve, do mercado. Escreva para a empresa a tentar demovê-los dessa decisão.

Ainda tenho esperança que acorde e que isto não passe de um pesadelo. É o fim. Apesar de a escrita não ser de todo o meu forte, não podia deixar de vos escrever uma carta, esta carta.
Todos nos apontam para a insignificância da vida sem amor. Lutamos pela liberdade das nossas escolhas e olhamos para o sexo oposto com ousadia e travessura, fazendo uma expressão puramente brejeira e gulosa. Mas se o amor é belo, como iremos praticá-lo agora?! A vida assim não faz sentido.
Poderia ir à falência qualquer empresa, qualquer uma! Mas logo aquela que produz os preservativos mais seguros do mercado?! Imaginar um mundo em que não se pode ter prazer porque sim é simplesmente cruel… Poderiam acabar os telemóveis, os saldos, até o petróleo! Preferia andar a pé do que deixar de sentir os corpos suados e escorregadios, deslizando um no outro… Mas não sentindo temor! Pânico! Pânico é o que vai emergir após o doce e salgado prazer, carinhosa ou simplesmente bruta satisfação. Cada qual é que sabe do que gosta.
 Já o clímax…Tão doloroso que é agora pensar nesse momento de pura loucura: audível entre os gemidos e perceptível a cada contracção de deleite... Segundos singulares em que o mundo fica suspenso no tempo e a vontade carnal, essa fraqueza não humana, mas animal, sempre vence.
E aparecem descendentes, doenças e mais descendentes. Pecado, no fundo, isto é apenas pecado. Pecado não mortal, porque ainda se desconhece que o delírio libidinoso mate. Já a crise, essa assassina que chacinou a vossa empresa, pode destruir milhões e milhões de humanos com tal bárbaro acto.
A minha indignação não pode ser deslocada dentro desta folha de papel. As consequências desta falência muito menos. Resta-me implorar que alguma alma bondosa, em vez de ajudar os refugiados em África, socorra a vossa empresa.
E já agora, se esta será uma sentença de morte para os ilustres dos mortais, que dizer do fado cruel de nós, vulgarmente chamadas e comummente procuradas, prostitutas?!


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Não acredito. Como é que sei que a realidade não é ilusão e que a ilusão não é realidade? O sol está lá, a água corre nos rios, o meu coração bate. Estarei viva? Não pode ser...Coloco a mão no peito,sinto o bater, num ritmo acelerado e irregular. Aumenta de frequência ao se aperceber que afnal contrai. De repente o ontem não existe e o hoje é imprevisível, uma mentira, suspeito. Se fosse realidade alguém me avisaria,certo? Os cães voam, o mundo está em paz eterna, o ser humano é altruísta, o sol ilumina a noite, os  portugueses gostam de ler, eu sorrio, as crianças africanas jogam Wii, o vizinho é simpático, os ricos dão aos pobres (na remota hipótese de que haja pobres), o barco atravessa o deserto, eu sorrio, o FMI é uma anedota, as flores não provocam alergias, eu sorrio, as crianças são adoráveis, o chocolate emagrece, a Mulher caminha em Marte, e aí sim, eu sorrio...

Este mundo nunca foi o meu. Não sei onde pertenço, de onde sou, onde é o meu lugar. Não sei quem pensa como eu, quem sente o que eu sinto, quem pensa no que eu penso. Não sei se o outro me percebe, se sente da mesma maneira. Sei que sorrio.

Respiro. Há quanto tempo não respirava! Os pulmões reclamam, já estavam habituados à apatia. Lentamente sinto o oxigénio a entrar nas células, uma a uma, levanto-me, caminho e corro. Corro para fugir dessa ilusão, mas não estou em condições de competir. Não posso lutar, rendo-me. Essa ilusão, esse sonho apanha-me e eu prazeirosamente desisto. Sinto que estás dentro de mim, afinal ainda existes. E como estou contente que me tenhas encontrado! São os meus dedos, são os meus olhos, é o meu sorriso, posso atrever-me a dizer que sim, sou eu. Abro os olhos e o sonho está à minha frente, o sonho real. E os meus lábios movimentam-se devagarinho, e sorrio...Sê bem vinda Diana...

sábado, 9 de abril de 2011

Todos iguais?

Uma pessoa, um grupo de amigos, uma multidão. Seres sem fim, que passam por nós, mas só porque tem de ser, só porque o destino assim o quis, que um conjunto de desconhecidos se cruzasse eternamente nas ruas.
Sentada numa esplanada, pus-me a pensar. Embora tenha mais que fazer, quando o pensamento vem não há nada que o impeça. Ele é soberano, actualmente considerado semelhante à matéria física, com um poder maior de mudar o mundo do que o próprio presidente dos EUA. Bem, este meu pensamento não mudará nada, sendo até recomendável que tal não aconteça. Simplesmente, todos aqueles indivíduos me pareceram um só. Não em termos de sexo, altura, vestuário ou de peso, seria um ser demasiado estranho mesmo para mim. Um só ser, no sentido em que todos eram e esforçadamente parecem, numa só palavra: normais.
Foi aí que começou o debate mental entre o socialmente aceite e anormalidade. O que é um ser normal? Qual o limite da normalidade? Porque é que o normal não é o anormal?! Se algo é anormal, terá de existir o lado exemplar, para tal comparação. Ora então, quem é que define a anormalidade? A sociedade? Sendo assim sou eu, tu, nós e vós que definem tais padrões.
Há quem diga que os loucos, aqueles que vêm e pensam em coisas que os atrasados dos normais jamais conseguirão ver ou pensar, são na realidade fruto da Teoria da Evolução de Darwin. Tem lógica, se pensarmos que o órgão mais utilizado pelos aberrantes seres desta espécie é o cérebro, estimulando o seu desenvolvimento. Já o uso deste pelo comum dos mortais é em si uma pura anormalidade.
Porra, que a conclusão é que isto é uma mera ilusão. Tal como disse, um pensamento estúpido, que não me levou a lado nenhum e simplesmente cansa, como a grande maioria dos pensamentos anormais.