segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa 11º Jornada

Recordar o professor mais assustador que já teve. Depois imaginar como seria um reencontro com ele.

Olho para o mundo, para ti. Desconheço a imperfeição do teu ser, as tuas vontades. Como poderia ver a tua alma, se até a nossa própria escondemos das mentes do mundo? Eles, os outros, sim, vocês, olham para mim e vêm-me. Ao menos conseguem ver-me! A minha cegueira tornou-se total e o que presencio é o que o mundo quer ver, mas não me vê a mim.
O meu espírito negro confunde-se na escuridão do ar, e espero, tranquila. Ou será que a confusão provém da sujidade da minha pele e não do meu ser?!
Rio-me da parvoíce a que os meus pensamentos me levam… Dou gargalhadas pelo facto de achar que uma folha em branco e tinta azul me podem ouvir. Mas quer ouçam ou não, eu desabafo na mesma. Cada traço destas linhas conhece-me melhor que eu própria.
Vítima. De violência doméstica ou de mim mesma? Do fado ou será o logrado castigo por não ter coragem? Aquele homem, conhecido há dois anos, desconhecido há onze, desenhara um mapa na minha cabeça, onde ultrapassar os limites geográficos da ficção é irrealizável.
As primeiras horas na sua companhia foram, a bom dizer, uma seca. Noventa minutos de tortura mental, vulgarmente conhecida como “aula”. Ele ensinava, eu conversava com os meus amigos, e punha-o à prova.
A vida dá voltas, nós ficamos enjoados, e calculo que ela graceja ao som dos nossos vómitos! Como raio é que só me soube impor quando corria com um caderno nas mãos, na pureza da adolescência? E agora, adulta, vacinada, livre… prendo-me no silêncio.
Lembro-me bem da noite em que saí daquela festa. De olhar para as luzes que assinalam o número de cada andar e esperar pelo elevador. As escadas, após o convívio, podem ser as nossas piores inimigas. Finalmente entro, desinibida e feliz. Com o vestido preto curto todo desordenado. E ele estava lá, o professor mais temível do liceu, nove anos depois.
Esbocei um sorriso de gozo, enquanto descalçava os sapatos. Doíam-me. O sorriso deu lugar a altas gargalhadas e segurei-lhe a gravata: «Tão sério professor? Nem tempo tem para aparar a barba?!”. Passei a mão no seu queixo, grisalho. O Sr. Professor encostou a sua cara à minha, ruborizado. Odiava falta de respeito! Todavia, o meu interesse focava-se no seu charme, que reparava pela primeira vez.
O resto foram línguas. Línguas juntas, línguas molhadas. Hoje em dia, língua presa.