domingo, 28 de agosto de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 6ª jornada

Liste dez coisas que faria se estivesse impedido de estar ou falar com alguém durante duas semanas. Depois escolha uma e explore-a.

1 – Deitar-me e conversar com o Sol. Contar-lhe os meus segredos, na esperança que os seus conselhos vindos do ensurdecedor silêncio me façam ver a realidade universal.
2 – Esfregar um corneto nos meus lábios e lambe-los até onde o músculo da língua me permitir…
3 – Afogar-me nas letras perdidas em tantos livros que disfarçam o pó das estantes. Ingeri-las até os olhos se queixarem da exaustão.
4 – Dormir. Adormecer o espírito. Sonhar com o possível.
5 – Abrir os olhos e assistir ao irrealizável: a paz.
6 – Rir. Asfixiar-me em sonoras gargalhadas: livres, sinceras, solitárias.
7 – Amar-me a mim mesma. Meditar o meu ser, idolatrar as rugas, cobiçar as curvas, trincar os lábios.
8 – Mergulhar na saudade do teu toque, do teu abraço.
9 – Sentar-me no chão, desamparada, e imaginar que estás aqui: de mãos dadas.
10 – Respirar com a imaginação o momento em que espreitas do esconderijo e o meu rosto se reflecte no teu mirar.
Expiro. Desfolho cada página revestida de ouro, de palavras. Estranho como um simples símbolo, cuidadosamente aperfeiçoado pela Humanidade e pelo tempo, se irrompe pelo nosso palpitar.
Inspiro. Sugo o aroma húmido das folhas, vivas. Como são generosas! Segredam-nos os seus contos. Uma e outra vez, sem se queixarem. Tantas vezes quantas os importunos assim o desejarem.
Suspiro… Navego pelas entranhas dos limites da criação. Linhas imaginárias, reais quando comparadas com a nossa vida surreal. E finalmente: vivo! Salto no meu mundo, corro na verdade
Choro. Ouço a desilusão. As páginas vestem-se também de tristeza, neste cosmos verídico. As lágrimas deslizam pelo
alfabeto, manchando de preto os caminhos obscuros desta história. Não faz mal Diana, não importa. Brevemente irás fechá-lo, esse livro. E o irreal voltará a preencher o teu dia.
Paro. O meu coração está suspenso. Chegou a hora da verdade. Os amigos tornam-se os malfeitores: merecem ser castigados. A única semelhança entre estes meus dois mundos. Algo breve, pois os traiçoeiros irão sobreviver por caminhos de brasas e pregos.

Sorrio. Tudo à minha volta torna a sê-lo: perfeito. Ou então o herói cai, de cansaço. Ou o amor vinga e as estrelas cadentes escorregam. Em último caso, pode ser sempre a nossa mente a desenhar o derradeiro desfecho de tamanha caminhada.
Tristeza! Que pesaroso que é fechá-lo, o livro. Agora sim: os humanos praticam actos irracionais. A melancolia invade-me. Que vontade de pegar numa caneta e escrever por cima do meu ser, imaginário!

domingo, 14 de agosto de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 4ª jornada

Escreva sobre um coração que era impossível fazer parar.

Escutava vozes ao longe. Alguém tagarelava. O seu coração, contudo, centrava-se naquele objecto. Era especial. Nele tinha lido o paraíso: “amo-te”.
O seu coração não parava! Tinha aprendido a bater desde aquele dia – solarengo, ilusório, enlouquecedor! Uma chama emergiu e aqueceu-o, derretendo todo o gelo encarnado que nele subsistia. A escuridão, propositadamente colocada no seu espírito, desvanecia-se com o passar da mão dela no seu rosto… Que seria? Carinho?! Desconhecia tal arrepiar.
O seu olhar pousou no telemóvel. Nenhuma mensagem doce. Ai, doce! Aqueles lábios encarnados nos seus, melosos… Ansiava por uma mensagem, para saber que estava viva, que é como quem diz, a pensar nele.
A notícia chegou através de um amigo. O suor começou-lhe a escorrer, os pulmões colapsaram. “Preciso que respires!”, clamava o seu corpo, em puro tormento. Todavia, só se sente a dor mais forte: a da traição! Não havia tempo para respirar, queria correr, desalmadamente, até a encontrar, a ela – com ele!
As pernas não o ouviam. Implorou-lhes para que se movessem. Nada. Estaria morto?! Teria desistido do suplício? De todo o seu ser, só sentia o coração. De bater tão depressa, nem se apercebia do seu ritmo. Estava dilacerado: iria parar? Tinha nascido quando lhe sorrira, quando a envolveu delicadamente com o seu braço… Tinha lógica que voltasse à letargia.
Antes morrer que padecer de tal tortura. Era ela: perfeita! Como o compreendia. A única que deixara entrar no seu íntimo: tão frio, tão inexplorado. E tinha permitido…
Estava alagado: em suor, em lágrimas, em sangue. Se existem lágrimas de sangue, eram as suas. E o seu corpo, mártir e preguiçoso, desistia. Traidor(a)!
Uma golfada de ar ressuscitou os pulmões. Respirava sofregamente, o ar entrava e saía, saía e entrava. Lutava pelo corpo entorpecido. De repente, ficou cego. Era um negrume familiar, estava no seu quarto.
O coração adormecia. Estava exausto com tamanho aperto: era um sossego mais que merecido.
Lá estava ela, ao seu lado. Sentia a sua respiração regular. Ouvia a melodia do seu perfume, suave. Apertou-a! Sentiu(-a) no seu peito. Que nome teria aquele sentimento? Amor não era suficiente.
– Acordado?
Ela sorriu, enternecida com o olhar daquele que apenas habitava outro corpo, porque a alma era a mesma. E nessa alma batia um só coração, impossível fazer parar de bater.
– Dorme, querida. – acariciou os seus caracóis cor de mel – Foi apenas um pesadelo. O sonho, esse, continua aqui: real.

domingo, 7 de agosto de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 3ª jornada

Escreva uma história que anule completamente o velho provérbio: “quem te avisa, teu amigo é”.

Era ódio que sentia, que se alojou no coração de apenas um miúdo. Ia ali todos os dias, e observava-os. Eram os futuros Doutores. Aqueles que adquiriram a sua opulenta vida à custa de muito suor, sangue e choro - qualidades indispensáveis para saírem do rico ventre da sua mãe! Abastada também, por mera casualidade.

Sobressaltou-se. Uma mão pousara-lhe cordialmente no ombro. O seu futuro “irmão”. Aquele que abraçou o seu baço olhar.
Trinta anos depois deitava o cigarro para o chão com brutalidade. Esmagou-o com o pé, continuando a caminhada pela rua deserta. Estava duas horas atrasado! Sorriu. Um sorriso amarelo, para não contrastar com os dentes. Era o merecido desfecho.
Uma mistura de emoções despontou naquele ser. Que medo do futuro! Após décadas ao serviço da comunidade, iria reformar-se.
A sua função: satisfazer os seus clientes! O seu dever: servir de ponte entre os religiosos compradores e o seu “irmão”. Não, não tinha quem o explorasse! Tinha um “irmão” de amor.
Última tarefa! “Este deve ser o teu último serviço. Uma simples hesitação e a hora certa é passado.”. Rafael escutou-o. Tinha razão, como sempre. Uma ilha paradisíaca esperava-o até à sua longínqua morte. Visualizava na sua mente o derradeiro castigo: sol, areia, fragmentos do mar gotejando vagarosamente pelos corpos das formosas sereias.
Antes, fez o que o seu “irmão” lhe aconselhou: saboreava o seu último triunfo.
Parou. Percorreu com o olhar a porta que vigiava o seu destino. Tirou do bolso uma chave e abriu-a. Ligou o interruptor. Ninguém.
Teria o atraso arruinado a sua última vitória? Pousou delicadamente a mochila com a droga numa secretária. Um bafo de pó, inocente, incomodou as suas narinas. Clicou inquieto o número do seu “irmão”. Tocou. Outra vez. Franziu a sobrancelha… Porque raio estaria a ouvir o vibrar de um telemóvel?!
Virou-se… O rosto era conhecido. Cada ruga, cada traço… Era genuinamente excruciante. Sentiu-o: o cano frio apertava a sua têmpora.
Quis gritar, fugir…chorar! Não conseguiu, tinha desaparecido tudo, até a alma. O seu olhar siderado chocou com o do seu “irmão”.
- “Eu disse-te que devias acabar aqui o teu trabalho.” – murmurou, numa voz glacial.
O puxar do gatilho. O som do crânio a quebrar. Rafael nada sentiu – o seu corpo havia já sido fuzilado pela traição. O coração tinha já perecido quando o viu: o assassino! A sua única verdade. A sua única mão. O seu único herdeiro.