terça-feira, 1 de julho de 2014

São coisas da vida

Inês está na esplanada, com o sol a bater-lhe, esse sol infernal. Não menos infernal do que aquilo que ela vê no jornal. As notícias deviam mudar para “más (péssimas!) notícias!”. A Inês acreditava nas pessoas, mas quem cresce neste mundo depressa percebe o quão poderosa é a palavra acreditar. Acreditar só em nós próprios. E depois, se tivermos sorte (MUITA sorte!), podemos dar-nos ao luxo de acreditar noutra pessoa também. A capa do jornal era um acidente onde uma jovem mãe tinha morrido na semana anterior. Inês lembrava-se do dia porque a estrada tinha estado interrompida toda a manhã e tinha atrasado o seu regresso a casa depois de uma noite de trabalho. Lembrava-se de ter resmungado, de ter gritado ao seu Deus o porquê de nunca mais chegar à sua cama, na sua casa nova. “Que belo quarto e que bela casa”. Por momentos a visualização do apartamento que a esperava distraiu-a da fila de carros que estava à sua frente. Afinal, nunca esperou viver numa casa assim tão nova… Começam as businas impacientes. O senhor oficial da polícia informa que é um acidente bastante grave. “Boa!”, pensou Inês tentando pensar rapidamente qual o desvio que a levaria a casa mais cedo. Este pensamento multiplicou-se por todas as mentes daqueles condutores enraivecidos. Deus sabe como o trânsito deixa fora de si qualquer um! O que Deus não sabe, ou pelo menos espero que não saiba, é que pela cabeça de Inês passaram mil e um caminhos, menos o daquela pobre coitada que, numa manhã igual a tantas outras, entre deixar o filho na escola e ir para o seu ganha pão, morreu.  Acabou. Jamais voltará a casa.


Não podemos culpar Inês (ou não queremos?), afinal ninguém pensou nisso. Só  pensaram no seu próprio azar em estarem atrasados. De facto, agora que estava na esplanada a saborear o seu sumo, é que Inês se apercebeu o quanto a nossa mente está esgoísta. É arrepiante. Pousou o jornal, virou-se para o facebook. Uma foto de um cão abandonado porque os donos quiseram ir de férias. Pousou o telemóvel. Chega de ver sofrimento! É então que se senta ao seu lado um casal que está a comentar o facto de o tribunal europeu aceitar a lei na frança em que não deixa as mulheres usarem a burka em locais públicos. Justificação: uma questão de segurança, pois assim não podem ser correctamente identificadas. O casal está satisfeito. Toda a gente sabe que a Inês não é a pessoa mais tolerante no mundo no que toca às burkas. É uma feminista, como poderia ser? Mas não o suficiente para não ver que esta questão de segurança, apesar de estar mais que cem por cento correcta, não é de todo a razão para esta lei ser aprovada. Valores mais profundos vêm ao de cima! Quem está contra sempre pode dizer: banimos extremistas com leis extremistas! Não deixam de ter razão. Lá porque ela não pode ir a países muçulmanos sem tapar a cabeça (não sei se por ser feia ou por os poder deslumbrar com tanta beleza), não quer dizer que nos comportemos como eles. Se os chamamos radicalistas, que chamaremos a nós mesmos? Inês continuou a ouvir a conversa, e parece que há um testemunho de uma mulher que usa a burka porque quer. Inês teve bastante tempo a tentar perceber o outro, ou esta mulher, ou estas pessoas que não sendo muçulmanos as defendem. Foi então que veio à sua cabeça um pensamento que a arrepiou. E não, Inês não teve outra escolha senão perceber que a razão a tinha atingido com força. Lembrou-se daquelas mulheres que morreram num incêndio, fechadas dentro de uma fábrica, porque queriam os mesmos direitos, as mesmas condições de que os trabalhadores masculinos. Aquelas mulheres que fizeram com que houvesse hoje em dia o Dia da Mulher. 

E foi então que ficou tudo tão claro. Nós não temos de ter medo de dizer que não concordamos com comportamentos da sociedade só porque meia dúzia, que se acha muito tolerante (paz e amor!) nos diz que temos de aceitar as crenças dos outros. A Inês aceita as crenças, a Inês aceita e respeita a religião, mas não podemos aceitar injustiças humanas. Quer seja um jogador a morder outro, quer seja um cigano a receber dinheiro do estado só porque rouba, quer seja o Carlos Cruz. Não interessa. Porque podem chamar à Inês preconceituosa e o que quiserem, mas se existem pessoas que se orgulham de ser tolerantes para com outros modos de viver, mesmo que para isso estejam a ser tolerantes para com injustiças, a Inês não quer pertencer a este grupo. Hoje em dia é cool tolerar tudo. Mas se a Inês chegou a alguma conclusão nessa tarde, foi a de que ela não iria ser tolerante contra as injustiças. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

            Querido Jesus:

 Não sei o que aconteceu desde que morreste neste mundo. Não sei se chegaste a visionar os caminhos que escolhemos após a tua morte, se já sabes o desfecho desta peça de teatro ridícula que se tornou a nossa vida, os nossos valores. Onde erramos? Ou melhor, onde é que não erramos? Tu vieste visitar-nos, deste-nos o exemplo, mostraste a todos nós a verdadeira riqueza da vida. Ensinaste-nos e nós cuspimos na tua cara, quais soldados romanos. Aqueles que se autoproclamaram divinos e seguidores de Pedro escreveram o que quiseram sobre ti, mataram em teu nome, queimaram almas inocentes, morreram de diabetes no meio dos seus banquetes e estrangularam o mundo com o poder dos seus fios de ouro pendurados ao pescoço. Se sabias como isto ia acabar, porque morreste? Porque vieste? Porque não escreveste tu próprio o teu evangelho, o Evangelho de Jesus? Ou escreveste e ainda o vamos ler no momento certo?
Porque não vens ter comigo, porque não te mostras? Porque não apareces e salvas as crianças da fome e as boas pessoas do sofrimento e injustiças? Porque dás tanta liberdade ao ser humano? Liberdade para matar, liberdade para julgar... Liberdade para não acreditar em ti e fazerem piadas daqueles que acreditam. Porque não apareces e resolves tudo de uma vez?
Eu tenho tantas perguntas para te fazer. E faço-as todos os dias. Eu sei que tu, no teu conhecimento, tens tudo pensado e respostas para tudo. Que tens uma resposta para cada uma das minhas dúvidas. Mas sendo eu, Diana, feita à tua imagem e semelhança, filha de Deus, tendo um pedaço de divino dentro de mim (qual cátara), peço-te que me respondas, directamente, aos meus desassossegos.
Estou à beira mar, a olhar para a sua imensidão e a pensar porque existo afinal, aqui, no planeta terra, que nada é no meio do universo. Se o planeta terra é um grão de areia, imagina como eu sinto que é a minha existência ou as minhas dúvidas. Sei que cresci, que tenho de trabalhar para comprar comida e ter uma casa para dormir e umas roupas ao meu gosto. Mas porque tem de ser assim? Porque não posso apreciar o mundo que me deste sem preocupações e ter tempo para te procurar nos quatro cantos da terra? Não terei fé suficiente?
Eu tento procurar-te, mas não sei como te encontrar. Por isso imploro-te que me respondas a esta carta nem que seja com um abracinho a querer dizer: "Eu estou aqui.".













sábado, 8 de março de 2014

Para quando uma mulher que mija de pé?

Dizem por aí que hoje é dia da mulher. Venho por isso falar sobre essas mulheres com toda a legitimidade já que me considero uma delas.

Venho falar da mulher violada. A mulher violada não se encontra só na esquina da rua sombria. Se olharmos com mais atenção podemos vê-las dentro das suas próprias casas. Na cama do marido. Na cama do pai. De uma maneira geral são aquelas mulheres que servem para descarregar as ânsias de tais seres humanos, que são obrigadas a representar o papel de um puro objecto de descarga de energia. O que dá prazer a esses homens sabendo que a outra pessoa está a morrer por dentro a cada segundo que passa? Só eles podem responder. Para muitos é para isso que a mulher serve. 

Venho falar da mulher obrigada a casar. Sim, porque não se pense que isso já não acontece nos dias de hoje. Até porque "dias de hoje" sofre uma mudança temporal consoante a região que estivermos a falar. Ainda hoje li uma notícia de mulheres cristãs egípcias que são raptadas para que casem com homens pertencentes ao Islão. Conseguem imaginar tal situação? Mas também há mulheres obrigadas a casar porque estão grávidas, sendo a própria família a primeira a pressionar. Mesmo sem ela querer. Mesmo sabendo em tantos casos que vão ser um saco de pancada.

Venho falar da mulher que usa aqueles lençóis pela cabeça abaixo. Quanta vergonha em se ser mulher! Quanta vergonha em se ter um clitóris, fonte de prazer e pecado! O melhor é cortarem-no. Ups, já vim atrasada...

Venho falar da mulher ocidental. Da mulher ocidental da nossa geração. Tantas vezes presa por tradições antigas. Quero aqui destacar aquela mulher que teve liberdade para estudar. Que teve a liberdade para procurar emprego. Que teve liberdade para ter a mesma taxa de ocupação em cargos importantes, mas que não conseguiu. Que sente o machismo na empresa. Quem nunca sentiu?! Que vê um emprego recusado porque está grávda. Como é que achas que tu nasceste ó fiho da puta?! Para quem olham de lado porque fez um aborto. Não estou a dizer que concordo, mas se os homens ficassem grávidos não abortariam quase todos?! A mulher ocidental anda com mini saias, fuma na esplanada, bebe mais que os homens, conduz... Mas ainda falta dar um grande passo para que chegue a maior liberdade de todas: a liberdade da mente. Essa já não depende só dos homens, depende de nós. Temos de parar de nos criticar umas às outras (difícil eu sei!), para que juntas consigamos abrir não as pernas, mas a mente masculina.