domingo, 7 de agosto de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 3ª jornada

Escreva uma história que anule completamente o velho provérbio: “quem te avisa, teu amigo é”.

Era ódio que sentia, que se alojou no coração de apenas um miúdo. Ia ali todos os dias, e observava-os. Eram os futuros Doutores. Aqueles que adquiriram a sua opulenta vida à custa de muito suor, sangue e choro - qualidades indispensáveis para saírem do rico ventre da sua mãe! Abastada também, por mera casualidade.

Sobressaltou-se. Uma mão pousara-lhe cordialmente no ombro. O seu futuro “irmão”. Aquele que abraçou o seu baço olhar.
Trinta anos depois deitava o cigarro para o chão com brutalidade. Esmagou-o com o pé, continuando a caminhada pela rua deserta. Estava duas horas atrasado! Sorriu. Um sorriso amarelo, para não contrastar com os dentes. Era o merecido desfecho.
Uma mistura de emoções despontou naquele ser. Que medo do futuro! Após décadas ao serviço da comunidade, iria reformar-se.
A sua função: satisfazer os seus clientes! O seu dever: servir de ponte entre os religiosos compradores e o seu “irmão”. Não, não tinha quem o explorasse! Tinha um “irmão” de amor.
Última tarefa! “Este deve ser o teu último serviço. Uma simples hesitação e a hora certa é passado.”. Rafael escutou-o. Tinha razão, como sempre. Uma ilha paradisíaca esperava-o até à sua longínqua morte. Visualizava na sua mente o derradeiro castigo: sol, areia, fragmentos do mar gotejando vagarosamente pelos corpos das formosas sereias.
Antes, fez o que o seu “irmão” lhe aconselhou: saboreava o seu último triunfo.
Parou. Percorreu com o olhar a porta que vigiava o seu destino. Tirou do bolso uma chave e abriu-a. Ligou o interruptor. Ninguém.
Teria o atraso arruinado a sua última vitória? Pousou delicadamente a mochila com a droga numa secretária. Um bafo de pó, inocente, incomodou as suas narinas. Clicou inquieto o número do seu “irmão”. Tocou. Outra vez. Franziu a sobrancelha… Porque raio estaria a ouvir o vibrar de um telemóvel?!
Virou-se… O rosto era conhecido. Cada ruga, cada traço… Era genuinamente excruciante. Sentiu-o: o cano frio apertava a sua têmpora.
Quis gritar, fugir…chorar! Não conseguiu, tinha desaparecido tudo, até a alma. O seu olhar siderado chocou com o do seu “irmão”.
- “Eu disse-te que devias acabar aqui o teu trabalho.” – murmurou, numa voz glacial.
O puxar do gatilho. O som do crânio a quebrar. Rafael nada sentiu – o seu corpo havia já sido fuzilado pela traição. O coração tinha já perecido quando o viu: o assassino! A sua única verdade. A sua única mão. O seu único herdeiro.

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